Intrigas agropastoris
EMBRAPA | A queda de
Pedro Arraes expõe a disputa por poder na estatal
Por Samantha Maia
O executivo alega “motivos pessoais”, enquanto o governo o acusa de
erros na criação da divisão internacional
Alguma coisa acontece na Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa. Dois meses depois de ser reconduzido à
presidência da estatal, após um mandato de três anos, o engenheiro agrônomo
Pedro Arraes foi afastado de forma nebulosa e, até onde se pode ver, acabou
atingido pelas disputas políticas típicas de Brasília.
Determinado pelo ministro da Agricultura, Mendes
Ribeiro Filho (PMDB-RS), e publicado no Diário Oficial de 5 de outubro, o
afastamento de Arraes, inicialmente temporário, foi acompanhado da exoneração
do secretário de Relações Internacionais, Francisco Freitas de Souza. O mesmo
ato instaurou uma sindicância para analisar a constituição do braço no
exterior, a Embrapa Internacional, por “constatação de que houve descumprimento
de preceitos legais e estatutários na criação da empresa”.
Antes mesmo da decisão do ministro, na segunda-feira
1º, Arraes pedira demissão por “motivos pessoais”. Na quarta-feira 10, a
presidenta Dilma Rousseff nomeou para o seu lugar Maurício Antônio Lopes, até
então diretor de Pesquisa e Desenvolvimento e quadro da empresa desde 1989.
Engenheiro agrônomo com pós-doutorado pelo Departamento de Agricultura da
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO-ONU), o novo
presidente foi chefe da divisão de milho e sorgo.
O imbróglio que resultou na saída de Arraes veio
acompanhado de boatos de que a Embrapa daria fim a suas pretensões
internacionais. Os desdobramentos mais recentes, contudo, apontam para uma
possível mudança de rumo do principal centro de pesquisa em agricultura no País.
Com o risco de maior ingerência política, segundo alguns especialistas.
Após Arraes
anunciar
que lançaria em abril a empreitada internacional, o Ministro da Agricultura
preferiu voltar algumas casas. Extinguiu a Embrapa Internacional, por
supostamente ter sido criada sem a autorização de órgãos do governo ou do
Conselho de Administração da estatal. E trabalha agora para recriar o braço
internacional em novas bases jurídicas. Estopim para a queda de Arraes, primo
do governador pernambucano Eduardo Campos e profissional experiente na
agricultura, indicado pelo ex-ministro Reinhold Stephanes (PSD-SC). Seu mandato
teria sido marcado por uma “excessiva independência” em relação ao atual
comando do ministério, que agora buscaria recuperar as rédeas da companhia.
Os desencontros com a cúpula do governo não são de
hoje. Em 2011, por ordem da Casa Civil, foi extinto o processo de seleção dos
diretores da Embrapa baseado em critérios técnicos de recrutamento (pelo qual
Arraes foi escolhido) por meio de um comitê de busca, outra herança do período
Stephanes. O mandato de três anos para os diretores deixou de ser garantido.
Nos dois casos, medidas que abririam espaço para maior interferência política.
Apesar de o modelo antigo de escolha de dirigentes em
tese limitar a independência, o orçamento anual de 2,5 bilhões de reais
alimenta as disputas internas, assim como a participação em projetos do PAC
ligados ao monitoramento via satélite.
Entidades ligadas à agricultura familiar, por su vez,
criticam o que consideram um peso excessivo dos interesses do agronegócio na
condução da estatal. E empresários enxergam um enfraquecimento da Embrapa em
comparação às pesquisas desenvolvidas pela iniciativa privada.
Especialista em agricultura, o engenheiro agrônomo e
professor da Unicamp José Maria da Silveira considera que a Embrapa vive
dividida entre atender as demandas das áreas sociais e os “jogos capitalistas!
No mercado internacional. Para ele, a governança é ameaçada pelas pressões
políticas. “A questão da Embrapa Internacional é uma parte pequena do problema.
O que houve foi uma tentativa do Arraes de colocar uma governança mais forte.
Tirá-lo me parece um interferência indevida.”
A dificuldade de a estatal manter a sua relevância,
diz o especialista, passaria necessariamente por mais parcerias com grandes
empresas internacionais, sempre criticadas pelos movimentos sociais ligados ao
campo, com destaque para o MST.
Integrante da bancada ruralista, Stephanes recebeu a
notícia da saída do próprio Arraes, a confirmar a proximidade de ambos. “Fiquei
surpreso porque ele é uma pessoa enquadrada e tranquila. O motivo alegado na me
pareceu algo que não pudesse ser resolvido internamente”, diz o hoje deputado,
crítico da extinção do comitê de busca de dirigentes.
A saída de Arraes é, porém, festejada pela direção do
sindicato dos trabalhadores da empresa. A categoria não fechou acordo salarial
com o governo neste ano, segundo a representação sindical, por suposta
intransigência do ex-presidente. Em relação ao novo chefe, a direção do Sindicato
dos Trabalhadores em Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf) diz
esperar “mais diálogo”.
A
internacionalização dos trabalhos da Embrapa faz parte da história da estatal de 39 anos,
nos últimos tempos com foco reforçado na África. Acontece, em geral, por meio
de parcerias de cooperação com governos mais pobres e não possui fins
lucrativos. Criada por medida provisória no fim do governo Lula, em 2010, a
alteração do estatuto para permitir a abertura de unidades de negócio no
exterior dependia de decreto presidencial, publicado em junho deste ano.
A Embrapa Internacional teria sido, porém, criada
antes disso, segundo o Ministério da Agricultura. E o Conselho de Administração
teria tomado conhecimento apenas em agosto último durante reunião com Arraes. A
sede seria constituída Em Delaware, nos Estados Unidos. O fato teria quebrado a
confiança do governo em Arraes, apesar de fontes ligadas ao ministério
garantirem não ter havido má-fé. A sindicância instaurada deverá verificar se
houve irregularidade, mas o que consta até o omento é que a nova empresa não
saiu do pepel.
Em 6 de abril, ao anunciar o lançamento da Embrapa
Internacional para o dia 26 do mesmo mês, o então presidente da empresa
mencionou a necessidade de acelerar a iniciativa para receber 2,5 bilhões de
dólares que a Fundação Bill e Melinda Gates anunciou dispor para apoiar o
desenvolvimento agrícola do continente africano. E informou que a mudança
estava na “reta final”. Fatariam apenas os crivos dos ministérios da Fazenda,
Planejamento, Agricultura e Casa Civil, um percurso evidentemente dilatado para
quem conhece os meandros de Brasília.
Carta
Capital - 17 de outubro de 2012